Novas tecnologias da informação e da comunicação

Ciberespaço, Cibercultura e Ciberdemocracia

Essa aula apresenta os conceitos de Pierre Lévy, filósofo de nacionalidade francesa, sobre o virtual, o ciberespaço, a cibercultura e a ciberdemocracia

Publicado em: 23 de out. de 2015
Atualizado em: 22 de set. de 2022

Pierre Lévy
Pierre Lévy

Pierre Lévy é um filósofo de nacionalidade francesa, nascido na Tunísia. É um dos principais pensadores a tratar dos impactos das tecnologias digitais sobre a sociedade.

Esta aula apresenta um resumo sobre alguns conceitos abordados pelo autor ao longo de suas principais obras.

Podemos compreender esses conceitos na forma de um percurso, iniciando pela delimitação do significado de virtual.

O que é virtual? O que significa dizer que uma coisa é virtual? A partir das respostas para essas perguntas podemos tratar das suas consequências.

O virtual permite a criação de novos espaços (o ciberespaço) e nesses espaços se desenvolve uma nova cultura (cibercultura). Então a cibercultura é uma realidade do ciberespaço que, por sua vez, é uma manifestação do virtual.

Por fim, na perspectiva de Pierre Lévy, uma consequência possível para o ciberespaço e a cibercultura pode ser a reconfiguração dos ambientes e da cultura não virtuais, nos levando a uma possível ciberdemocracia.

O que é virtual?

A relação do homem com a tecnologia fez surgir novos espaços de ação cultural e social. São espaços que não existem fisicamente, mas que se concretizam na memória do computador, de modo virtual.

Esse tema é amplamente estudado pelo filósofo Pierre Lévy. Em um livro chamado O que é Virtual, o autor reflete sobre o que significa dizer que uma coisa virtual.

Tendemos a pensar o virtual como o contrário de real, como se coisas reais existissem e coisas virtuais não existissem. Porém, a definição do autor deixa claro que essa não é uma abordagem correta:

O virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual. Contrariamente ao possível, estático e já constituído, o virtual é como o nó de tendências e forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer. (LEVY, 1999)

As coisas que acontecem no modo virtual, intermediadas pela tecnologia do computador, são, também, reais. Elas existem de fato e nos afetam concretamente. Elas apenas não estão aqui, no mundo presente e físico.

O virtual, portanto, é um novo modo de existir para as coisas. Uma existência potencial que se concretiza fora do mundo físico e do tempo presente.

As coisas que existem desse modo (não físico e não presente) estão no chamado ciberespaço.

O que é ciberespaço?

O virtual acontece, portanto, em outro lugar, diferente do lugar atual e presente no qual estamos fisicamente.

Esse lugar virtual é chamado de ciberespaço, que Lévy (1999b, p. 92) define “como o espaço da comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores”.

Nesse espaço virtual não se aplicam os limites físicos aos quais estamos sujeitos no mundo concreto e presente.

O ciberespaço é concebido como um espaço transnacional onde o corpo é suspenso pela abolição do espaço e pelas personas que entram em jogo nos mais diversos meios de sociabilização [...]. Assim sendo, o ciberespaço é um não-lugar, uma utopia onde devemos repensar a significação sensorial de nossa civilização baseada em informações digitais, coletivas e imediatas. Ele é um espaço imaginário, um enorme hipertexto planetário (LEMOS, 2008, p.128).

Essa característica do ciberespaço, de não estar sujeito aos limites físicos do espaço e do tempo presentes, é o que permite, por exemplo, a exploração da teoria da Cauda Longa, elaborada por Chris Anderson.

Segundo essa teoria, como as lojas virtuais estão no ciberespaço e não estão sujeitas aos limites físicos de tempo e espaço, elas podem ter em seus catálogos uma variedade muito maior de produtos em relação às lojas físicas, que precisam escolher apenas os produtos mais populares para exibir em suas limitadas vitrines (ANDERSON, 2006).

Viver nesses espaços virtuais, sem os limites do mundo físico, implica em novas possibilidades e novos modos de vida. E se passamos a viver coisas diferentes, desenvolvemos uma cultura diferente, própria desses espaços.

O que é cibercultura?

Em um livro chamado Cibercultura, Pierre Lévy (1999b) vislumbra que, devido a essa diferença de limites, a vivência e a experiência humana nesse novo espaço são diferentes da daquela que temos no mundo presente, o que acaba por gerar novos modos de conduta e de interação social, que só são possíveis no ciberespaço.

A esse novo modo como nos organizamos e agimos no ciberespaço o autor chama de Cibercultura. Lévy ainda aponta três características que seriam essenciais à cibercultura: a interconexão, a criação de comunidades virtuais e a inteligência coletiva.

Para o autor a cibercultura pode ser compreendida como “a presença (virtual) da humanidade em si mesma” e, por isso, as interconexões são parte fundamental desse processo. “Para a cibercultura, a conexão é sempre preferível ao isolamento” (LÉVY, 1999b, p.127).

As interconexões revelam afinidades e aproximam as pessoas, que acabam por afirmar essas afinidades com a formação de comunidades virtuais.

Uma comunidade virtual é construída sobre as afinidades de interesses, de conhecimentos, sobre projetos mútuos, em um processo de cooperação ou de troca, tudo isso independentemente das proximidades geográficas e das filiações institucionais. (LÉVY, 1999b, p.127)

Por fim, a  experiência das comunidades virtuais aperfeiçoa os saberes e acelera o aprendizado de seus membros, potencializando o desenvolvimento da inteligência coletiva, que “seria sua perspectiva espiritual, sua finalidade última” (LÉVY, 1999b, p.131).

Todos reconhecem que o melhor uso que podemos fazer do ciberespaço é colocar em sinergia os saberes, as imaginações, as energias espirituais daqueles que estão conectados a ele. (LEVY, 1999b, p. 131)

Os modos de vida instituídos nos ambientes virtuais, cultura virtual e a inteligência coletiva, têm o potencial de reorganizar todo nosso modo de vida, inclusive no mundo físico e presente.

A maneira como nos organizamos socialmente no ciberespaço em suas comunidades virtuais pode mudar o modo como tomamos decisões sobre nossa vida em sociedade, criando a possibilidade para o estabelecimento do que o autor chama de ciberdemocracia.

O que é ciberdemocracia?

Aprofundando-se nas reflexões sobre o ciberespaço e a cibercultura, Pierre Lévy e André Lemos (2010) passaram a abordar uma possível consequência política desta dinâmica cibersocial.

Segundo esses pensadores, a liberdade e o rompimento de fronteiras, típicas desta nova realidade, proporcionaria o desenvolvimento de uma nova consciência política, denominada ciberdemocracia.

Uma das principais evidências das inevitáveis mudanças no campo político está na libertação da humanidade de suas tradicionais forças controladoras.

Mais comunicação implicará mais liberdade, entendida aqui como a possibilidade, sem controle estatal ou policial, de produzir, consumir e distribuir informação. No século que se anuncia não é unicamente o ciberespaço que vai crescer, mas a ciberdemocracia. (LEMOS; LÉVY, 2010, p.44)

A concretização desta libertação pode ser observada a partir de três evidências:

A primeira é a “liberação do pólo da emissão”, ou seja, o ciberespaço oferece cada vez mais oportunidades para a liberdade de expressão e opinião, criando novos formatos e novas ferramentas de comunicação que colocam em cheque os modelos em que as mensagens advêm de poucos emissores poderosos para atingir a grande massa de ouvintes passivos.

A segunda evidência é uma perspectiva de conectividade generalizada, sendo que cada vez um maior número de máquinas e também um maior número de pessoas passam a se servir dos benefícios da interconexão e das liberdades do ciberespaço.

Por fim, uma terceira evidência está visível na reconfiguração dos meios de comunicação, que passam a buscar maneiras de incorporar mecanismos que os insiram no ciberespaço.

A ciberdemocracia seria a consequência política imediata destas três condições (liberação do pólo emissor, conectividade generalizada e reconfiguração dos meios de comunicação). Seria a culminação dos impactos do virtual na humanidade.

Há uma espécie de cronologia ligando os conceitos de virtualidade, ciberespaço, cibercultura e ciberdemocracia. O estágio da ciberdemocracia seria aquele em que as funções do Estado e da Lei, assim como a promoção da democracia, incorporam as implicações da cibercultura e são absorvidos pelo ciberespaço.

Não queremos dizer que cada nova denominação de uma mídia ou um conjunto de mídias determine automaticamente o regime político correspondente, mas que certas mudanças políticas só se tornam possíveis – e mesmo pensadas – por meio das mídias apropriadas. (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 60)

Diante de tamanha liberdade de expressão, é consequente que os usuários aproveitem as ferramentas de conversação disponíveis no ciberespaço para se agruparem de alguma maneira, gerando uma inteligência sem fronteira, sem controle unilateral, polissêmica e abrangente.

Essa realidade pode fomentar uma estrutura estatal planetária, diferente de qualquer modelo de Estado existente, encarregada da governança dos aspectos mais universais da humanidade.

Não se trata, porém, de abrir mão do Estado em benefício de uma democracia anárquica universalizada. Também não se trata da abolição de toda Lei para a livre governança da inteligência coletiva. “A Lei grava todas as evoluções positivas da sociedade (...) e as torna irreversíveis. Devemos conservar o Estado já que ele garante a lei...” (LEMOS; LÉVY, 2010, p.181).

Contudo a ciberdemocracia pressupões que a ideia de Estado esteja descolada da ideia de território, principalmente no que se refere a seus aspectos mais culturais e antropológicos.

O ciberespaço reposiciona o sentimento de pertencimento do homem, que antes se direcionava para o território geográfico, para um território semântico onde a cultura desempenha papel central.

O pertencimento se dará por uma escolha racional de um espaço semântico (virtual) de afinidades e não pelo acaso do nascimento em um determinado território.

Referências

ANDERSON, Chris. A Cauda Longa. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

LEMOS, André. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contemporânea. 4.ed. Porto Alegre: Sulina, 2008.

LEVY, Pierre. O que é Virtual. São Paulo: Editora 34, 1999.

LEVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999b.

LEMOS, André; LÉVY, Pierre. O Futuro da Internet: Em direção a uma ciberdemocracia planetária. São Paulo: Paulus. 2010.

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