Novas tecnologias da informação e da comunicação

A cultura da interface

As interfaces gráficas, ao mesmo tempo em que facilitam nosso acesso aos computadores, molda nosso comportamento

Publicado em: 23 de out. de 2015
Atualizado em: 30 de ago. de 2021

A criação de Sistemas Operacionais baseados em Interfaces Gráficas tornou os computadores muito mais inteligíveis e adaptáveis à operação humana, o que só foi possível em meados da década de 1980 (GATES, 1995).

Embora o conceito de interface seja bastante amplo, se o restringirmos ao universo dos computadores, podemos defini-lo como a maneira com que as máquinas e os humanos se comunicam.

Linguagem do homem e linguagem do computador

Nas primeiras interfaces essa comunicação se dava por por meio de processos analógicos – como cartões perfurados – ou textualmente por meio do teclado.

Nesse cenário, para interagir com o computador, o homem precisava conhecer a linguagem com que a máquina estava programada para compreender. Ele tinha que digitar os comandos corretos e respeitar sintaxes preestabelecidas sob pena de não obter a resposta esperada.

As Interfaces Gráficas do Usuário ajudaram a inverter esta lógica. Ao apresentar as funcionalidades da máquina por meio de imagens, cores, botões e outros elementos visuais, acionáveis não só com o teclado mas também com o mouse, é como se o computador se esforçasse para "se comunicar" na linguagem humana.

Ao lançar mão da linguagem visual, a construção de interfaces extrapolou o domínio tecnológico da engenharia e dos sistemas computacionais e tornou-se também domínio das artes, do design, da comunicação, do marketing e, de modo mais abrangente, das linguagens.

Quais sinais devem ser utilizados para representar cada função do computador? Qual posição cada elemento deve ocupar em uma tela? Qual relação de proporcionalidade deve ser respeitada entre os elementos? Com as Interfaces Gráficas do Usuário, todas estas questões simbólicas passaram a equilibrar seu peso com as questões tecnológicas.

A utilização de elementos visuais na construção de interfaces fez com que a tradução entre a linguagem binária-procedural própria dos sistemas computacionais e a linguagem simbólica própria da cultura e da mente humana (tanto no sentido homem-computador quanto no sentido computador-homem), alcançassem outros patamares de inteligibilidade, permitindo inclusive a popularização da tecnologia, uma vez que este processo facilita o aprendizado e revela, de maneira mais competente, o potencial das máquinas como extensoras da capacidade humana.

Nosso único acesso a esse universo paralelo de zeros e uns se dá através do conduto da interface do computador, o que significa que a região mais dinâmica e mais inovadora do mundo contemporâneo só se revela para nós através dos intermediários anônimos do design de interface. (JOHNSON, 2001, p.20-21)

Os desafios da criação de interfaces

Soluções de interface que hoje parecem óbvias e sem importância, na verdade representaram uma série de desafios de engenharia, design e linguagem.

O esforço de tradução da lingagem do homem para o computador e do computador para o homem só foi possível graças à superação desses problemas.

Veja, por exemplo, o que um dos problemas mais difíceis que um engenheiro da Apple deve que enfrentar ao criar as primeiras interfaces gráficas para o sistema operacional do computador Macintosh:

Uma das proezas incríveis de Atkinson (à qual estamos tão acostumados hoje em dia que raramente nos maravilhamos diante dela) foi possibilitar que as janelas em uma tela se sobrepusessem, de tal modo que a “de cima” aparecesse sobre “a de baixo”. Atkinson fez com que se pudesse mover essas janelas pela tela como se fossem papéis sobre a mesa, de tal modo que os de baixo se tornassem visíveis ou ocultos à medida que se movia os de cima. É evidente que na tela do computador não há camadas de pixel por baixo dos pixels que vemos e, portanto, não há janelas espreitando por baixo das que parecem estar “em cima”. Para criar a ilusão de janelas sobrepostas é necessária uma codificação complexa que envolve  o que é chamado de “regiões”. Atkinson se esforçou para fazer esse truque funcionar por que achava que tinha visto essa capacidade durante a visita ao Xerox Parc. Na verdade o pessoal do Parc nunca tinha feito isso e, mais tarde lhe disseram como tinham ficado espantados com o que ele realizara. (ISAACSON, 2011, p.118)

Sobreposição de códigos e interfaces

Com o tempo as interfaces se tornaram bastante complexas em sua engenharia, ao mesmo tempo em que se tornavam mais simples de serem utilizadas e intuitivas para o ser humano.

Ao interagirmos com o computador estamos lidando com várias camadas diferentes de interfaces, que se sobrepõe para formar a experiência desejada.

A primeira camada de interface corresponde ao hardware, ou seja, o equipamento do qual o usuário dispõe para a operação do computador, envolvendo dispositivos como o teclado, o mouse e o monitor, entre outros.

Esta interface é responsável por estabelecer conexões físicas e táteis entre o homem e a máquina. Corresponde a extensões do corpo humano e da máquina que se unem para que a interação seja possível (MCLUHAN, 1971).

O processo cognitivo envolvido em sua operação envolve fornecer ao usuário a sensação de controle, de “poder pegar” e de decidir o que o computador deve fazer.

Sua operação requer certa habilidade motora, tendo em vista que, quanto mais domínio dos movimentos necessários para a operação do teclado e sobre o mouse o usuário tiver, melhor será sua experiência com o computador.

Embora o desenvolvimento tecnológico venha criando dispositivos deste tipo cada vez mais poderosos, é evidente sua limitação quando se trata de ampliar as competências físicas do homem. O teclado e os comandos textuais funcionam bem, mas são arcaicos quando comparados com a capacidade vocal de uma pessoa. O mouse, apesar de revolucionário, parece não ampliar, mas reduzir a capacidade física do homem, aproveitando apenas um de seus dez dedos.

Fazem parte ainda desta camada, os monitores, responsáveis pela comunicação visual entre o homem e o computador. Dependendo de seu tamanho e de sua área de tela, o usuário pode se ver limitado a operações mais simples.

O computador traz uma total recuperação do controle sobre a tela de modo que agora, quando usamos um computador, compartilhamos a responsabilidade de produzir significado. (KERCKHOVE, 2003, 18)

A segunda camada de interface corresponde aos softwares, ou seja, aos programas e instruções lógicas que fazem o computador funcionar e permitem o desempenho de suas diversas funções e aplicações.

O papel cognitivo que envolve sua operação consiste na correta compreensão dos signos que permitem a compreensão mutua das linguagens utilizadas pelo homem e pelo computador em suas interações.

Esta camada envolve dois níveis distintos. O primeiro é o sistema operacional, de que se trata o software mais elementar que leva o computador a apresentar suas aplicações aos usuários. Os sistemas operacionais são o receptáculo das interfaces visuais. São eles que comportam as interfaces gráficas e a utilização de imagens acionáveis por movimentos do mouse para representar as funções do computador.

Seu papel no processo cognitivo da interação homem-computador envolve a tradução mais elementar entre as duas linguagens, utilizando signos próprios do universo humano para representar informações binárias e procedimentos de programação de baixo nível. Em geral, essa tradução envolve a utilização de metáforas visuais.

É comum os sistemas operacionais apresentarem suas telas principais simulando mesas de trabalho, os desktops, sobre os quais estão dispostos pastas, documentos, calculadoras, lixeiras e outros objetos comuns em escritórios. São as metáforas desta tradução que aproximam os universos sígnicos do homem e do computador.

Em vez de teclar comandos obscuros, o usuário podia simplesmente apontar para alguma coisa e expandir seus conteúdos, ou arrastá-la através da tela. Em vez de dizer ao computador para executar uma tarefa específica — "abra este arquivo" —, os usuários pareciam fazê-lo eles próprios. A manipulação direta tinha uma qualidade estranhamente paradoxal: na realidade, a interface gráfica havia acrescentado uma outra camada entre o usuário e sua informação. Mas a imediatez táctil da ilusão dava a impressão de que agora a informação estava mais próxima, mais à mão, em vez de mais afastada. Sentíamos que estávamos fazendo alguma coisa diretamente com nossos dados, em vez de dizer ao computador que a fizesse por nós. (JOHNSON, 2001, p.21)

O segundo nível desta segunda camada envolve os diversos softwares do tipo aplicativo, responsáveis por levar o computador e o usuário a desempenharem funções específicas como digitar um texto, construir uma planilha ou uma apresentação.

Interfaces de websites

Tratando especificamente do uso do computador e das camadas de hardware e software para o acesso a websites, temos uma composição ainda mais interessante de intefaces, que terá uma camada adicional.

Nesse caso, na segunda camada (softwares) temos os browsers ou navegadores de internet. Os navegadores são acionáveis a partir do sistema operacional e oferecem as ferramentas básicas de que os usuários necessitam para acessar websites e saltar seus nós.

Neles normalmente existe um local para que se digite o endereço da informação desejada e botões elementares como voltar para a informação anterior e avançar para a seguinte. Seu papel no processo cognitivo ainda tem caráter de ferramenta e não de informação.

A terceira camada de interface trata-se dos sistemas internos de navegação das interfaces gráficas do usuário que cada website irá adotar para apresentar o seu conteúdo ou os serviços que está apto a oferecer.

Seu papel no processo cognitivo é explicitar as rotas simbólicas e as escolhas de caminho que o usuário pode fazer a partir de cada nó de informação existente no website.

Conclusão

Como mostra a Figura 1, as interfaces devem, portanto, funcionar em conjunto como uma plataforma para a ação do usuário, auxiliando na tarefa de criar esquemas mentais de navegação com a localização dos conteúdos de que necessita.

Figura 1 – Esquema demonstrativo da sobreposição das interfaces.

Sobreposição de Interfaces

Cabe-lhes, também, apresentar de maneira compreensível e pertinente, as possibilidades de interação disponíveis em cada nó de conteúdo.

Referências

GATES, Bill. A Estrada do Futuro. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

ISAACSON, Walter. Steve Jobs. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

JOHNSON, Steven. Cultura da Interface: Como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

KERCKHOVE, Derrick. A Arquitetura da inteligência: interfaces do corpo, da mente e do mundo. In: DOMINGUES, Diana (Org.). Arte e vida no século XXI. São Paulo: Editora UNESP, 2003.

MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. Rio de janeiro: Cultrix, 1971

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