Aulas diversas

Público-alvo não existe: entenda o motivo

Público e alvo são palavras opostas, assim como caça e caçador, e não deveriam aparecer juntas, formando uma mesma expressão.

Publicado em: 15 de nov. de 2016
Atualizado em: 30 de jul. de 2021

Target ou público. Nunca público alvo.

O vocabulário do mundo dos negócios é repleto de expressões prontas, que foram criadas sabe-se lá por quem, mas que todos adoram repetir exaustivamente, como se isso ajudasse a dar a impressão de certo conhecimento sobre alguma coisa. No Brasil, principalmente se for uma expressão em inglês ou qualquer outra língua estrangeira, fará mais sucesso ainda.

Mas esse não é o maior dos problemas. Difícil mesmo é quando, na tentativa de traduzir ou adaptar expressões de outros idiomas para o português, acabamos criando expressões que não fazem o menor sentido.

Um bom exemplo disso é a palavra mídia. Ela simplesmente não deveria existir. Mídia é o modo como os americanos pronunciam a palavra media, que por sua vez é o plural de medium. Ou seja, o som de mídia já significa uma palavra no plural e mesmo assim, em português, nos damos o direito de dizer "as mídias", o que não faz o menor sentido. Até porque já tínhamos uma palavra equivalente: meios. Poderíamos dizer simplesmente "Os meios [de comunicação]" ou, usando o termo em inglês, "Os media" (fica feio mas está correto), e nunca precisar da palavra mídia. Mas alguém achou chic o som de media e outro alguém achou interessante dar uma grafia em português para apalavra... Mídia?!?!

Outro exemplo é a expressão "público-alvo" (com ou em hífen, você escolhe). Fiz uma pesquisa no Google agora e ele me diz ter encontrado "aproximadamente 2.690.000 resultados" para essa palavra. Ou seja, nesse momento existem mais de dois milhões e meio de páginas na web que citam a expressão "público alvo".

Eu sei, não tem mais como evitar... A expressão já está na boca do povo (do brasileiro, diga-se), e não tem mais como voltar atrás.

Pode ser, mas há um erro conceitual fundamental na união das palavras "público" e "alvo" na mesma expressão, e é esse erro que tentarei explicar aqui. Público e Alvo, embora façam parte do vocabulário comum do mundo da comunicação e do marketing, são palavras opostas, assim como caça e caçador. São palavras que surgiram em contextos diferentes e significam coisas diferentes. Vejamos:

Público

A origem de público, muito provavelmente se dá no campo das Relações Públicas, ou seja, nas técnicas de comunicação utilizadas para se promover as relações com os públicos.

Públicos são como que um aperfeiçoamento da ideia de "massas", amplamente conceituada nos estudos sobre os meios de comunicação. Enquanto que as massas são em certo ponto irracionais e manipuladas pelos meios de comunicação, os públicos são racionais e agem conscientemente para solucionar controvérsias entre eles e alguma organização. Veja uma das definições mais clássicas desse conceito:

Pessoas e/ou grupo organizados de pessoas, sem dependência de contatos físicos, encarando uma controvérsia, com ideias divididas quanto à solução ou medidas a serem tomadas frente a ela; com oportunidade para discuti-la, acompanhando e participando do debate através dos veículos de comunicação ou da interação pessoal. (ANDRADE, 1978, p.72)

Embora deva existir uma ação da empresa, o reconhecendo como tal, para que o público se caracterize, o público é ativo, ele é o protagonista. Ele empreende esforços para esclarecer mal entendidos com a empresa. Ele inclusive força a empresa a mudar seu modo de atuação para responder a seus interesses.

Alvo

A origem de alvo é o amplo uso que é feito da sua equivalente inglesa target na literatura do marketing. Mais precisamente, em marketing, estudam-se os mercados alvo (target market). Os profissionais de marketing ententem que consumidores diferentes gostam de coisas diferente, e por isso é importante conhecer essas diferenças, para então saber que produto oferecer para cada grupo diferente de consumidores.

Após examinar diferenças demográficas, psicográficas (estudo de estilo de vida, atividades, interesses, etc.) e comportamentais entre os consumidores, eles [os profissionais de marketing] identificam e descrevem grupos distintos, que podem preferir ou exigir vários mixes diferentes de produtos. (KOTLER; KELLER, 2012, p.8).

O alvo é quem a empresa quer acertar com seu produto. Perceba que o protagonismo é da empresa, que vai em direção ao seu consumidor, buscando oferecer a ele o produto que melhor atenda às suas necessidades. O alvo é passivo. Ele é atingido.

Conclusão

Você não vai encontar, por exemplo, na Barsa ou na Wikipedia, um verbete intitulado Público Alvo. Mas certamente encontrará um intitulado Público (na verdade existem vários: https://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%BAblico), e outro para Segmentação de mercados (https://pt.wikipedia.org/wiki/Segmenta%C3%A7%C3%A3o_de_mercado), que é a técnica que acaba criando os alvos a serem atingidos pelos esforços de marketing de uma empresa.

As empresas devem se preocupar separadamente com as duas questões: públicos e alvos. Ou seja, devem saber quem são seu públicos (pessoas ou grupo de pessoas interessadas em sua atividade e buscando ativamente se relacionar com ela), e quem são seus alvos (segmentos de mercado que pretendem atingir com seus produtos). Nesse sentido o conceito de "público alvo" acaba mascarando uma ou outra ponta desse eixo. Elas deveriam falar do seu público ou do seu alvo separadamente, afinal ela os tem separadamente, por motivos diferentes e em momentos distintos.

Como vimos, o público é protagonista, ativo, vai até a empresa buscando esclarecimento sobre alguma dúvida (controvérsia). Já o alvo é passivo, ele é atingido pelos esforços de marketing da empresa e é conquistado por seus produtos, que atentem suas necessidades cada vez mais diretamente. E o público alvo? É ativo ou passivo? Bom... Ele simplesmente não existe.

Referências

ANDRADE, Cândido Teobaldo de Souza. Dicionário profissional de relações públicas e comunicação e glossário de termos anglo-americanos. São Paulo: Saraiva, 1978.

KOTLER, Philip; KELLER, Kevin Lane. Administração de Marketing. 14.ed. São Paulo: Pearson Education, 2012.

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